Santificaram a crucificação
A crucificação era uma
forma generalizada e extremamente comum de execução na antiguidade, usada por persas, indianos, assírios, citas, romanos e
gregos. Mesmo os judeus praticavam a crucificação, sendo esta punição
mencionada várias vezes em fontes rabínicas. A razão para que o castigo fosse
tão comum era seu preço. Podia ser realizado em qualquer lugar necessitando
apenas de uma árvore ou trave. A tortura poderia durar vários dias sem a
necessidade de um torturador. O procedimento da crucificação e o modo como a
vítima seria pendurada era deixado por conta do carrasco. Alguns eram pregados
de cabeça para baixo, outros tinham as partes íntimas empaladas, alguns eram
encapuzados e a maioria era desnuda.
Foi Roma que tornou a
crucificação a forma convencional de punição do Estado criando certa
uniformidade no processo pregando os pés e as mãos numa viga. A crucificação
não era, tão somente, uma pena de morte, pois era frequente que a vítima fosse
executada primeiro e em seguida pregada a uma cruz. O objetivo da crucificação
não era tanto matar o criminoso, mas servir como forma de dissuasão para outros
que quisessem desafiar o Estado. Por esta razão as crucificações eram realizadas em locais públicos onde a população
fosse obrigada a testemunhar a cena macabra. Os crucificados eram deixados
pendurados por longo tempo para que fosse devorado por cães e aves de rapina.
Afinal, o ponto principal da crucificação era humilhar a vítima e assustar as
testemunhas.
Os evangelhos
testificam que Jesus foi crucificado ao lado de outros “lestai” ou bandidos
revolucionários exatamente como ele. Seu crime foi ousar assumir ambições
régias. Lucas, obviamente, desconfortável com as implicações do termo, muda
“lestai” para “kakougoi”-malfeitor. Tudo o mais sobre o julgamento de Jesus
deve ser interpretado através deste fato. A história deste julgamento como é
apresentada nos evangelhos é cheia de contradições inconsistentes. Jesus é
preso à noite, na véspera do Sabá, durante a festa do Pêssach. Ele é levado na
escuridão para o pátio do Sumo Sacerdote, onde os membros do Sinédrio esperam
por ele. Faz-se acariações com testemunhas e Jesus é acusado de Blasfêmia. Na
manhã seguinte o Sinédrio entrega Jesus
a Pilatos para ser crucificado.
O julgamento perante o
Sinédrio viola quase todos os requisitos estabelecidos pela lei judaica para um
processo legal. A Mishná é inflexível a respeito deste assunto. O Sinédrio não
pode reunir-se a noite. Não é permitido reunir-se durante o Pêssach. Não é
permitido reunir-se às vésperas de Sabá. O julgamento deve começar com uma
lista detalhada dos porquês de o acusado ser inocente antes da apresentação de
qualquer testemunha. No mínimo, o que as imprecisões flagrantes demonstram é a
compreensão extremamente deficiente da lei judaica e do Sinédrio pelos
evangelistas.
Pode-se descartar o
julgamento teatral diante de Pilatos como uma fantasia. Se Jesus, de fato,
tivesse estado diante de Pilatos, teria sido algo breve e, da parte de Pilatos,
totalmente desprezível. Ele pode nem mesmo ter se preocupado em tirar os olhos
do seu livro de registro o tempo suficiente para olhar o rosto de mais um
lestai. Imagine, então, se envolver em uma longa conversa sobre o significado
da verdade.
O fato é que o Jesus
histórico foi julgado por crime de sedição e seu castigo foi a crucificação. O
contexto social, religioso e político da narrativa do julgamento de Jesus
perante o Sinédrio foi posterior ao judaísmo rabínico de 70 d.C. Portanto,
santificaram a cruz como símbolo de um ato falho suprimido por um século.
Comentários
Digno de destaque é a suavização dos condenados que morreram ao lado de Jesus para "ladrões".
O autor do Ev de Mateus parece ser o que mais tinha conhecimento das escrituras judaicas, por todas as construções que fez para apresentar Jesus como o messias esperado.