O princípio da incerteza


Há as ondas e o mar. Nós somos as ondas, cada um de nós é uma onda que olha para outra onda. Resulta disso a ilusão de sermos separados uns dos outros. As ondas nascem, existem e morrem. Elas voltam ao mar. Assim nossa percepção da dualidade e da multiplicidade da vida cotidiana é, no plano da microfísica uma ilusão.
Nosso eu não é, nem masculino nem feminino, nem preto nem branco nem de qualquer outra cor. Ele simplesmente é. E os corpos que habitamos são trajes para os papéis que representamos durante a passagem por este cenário. Estes trajes e estes papéis são extremamente diferentes. Existem trajes multicoloridos nas tonalidades miscigenadas, negra, amarela e branca
Quanto aos papéis, nossa história está repleta de figuras díspares, cada um ocupando seu próprio lugar. Há os heróis, há os vilões, há os intelectuais e os cientistas. Algumas destas figuras conseguiram mudar o rumo e fazer parte da nossa história sendo respeitados, lembrados e premiados.
Há também aqueles que nem fedem nem cheiram e por nada são responsáveis. Nenhum feito, nenhuma obra de boa ou má qualidade. Passaram pela vida manobrados pela popa igual canoas, escafedendo-se por atalhos sem perceberem ou serem percebidos. Com esses a história é impiedosa. Não lhes dá a mínima, não os considera, não existem, não contam e não pesam. No entanto muitos são premiados em suas velhices com aposentadorias remuneradas.
Existe, além destes, uma categoria especial de homens. Nem heróis, nem vilões, nem cientistas, nem intelectuais. São os irrequietos, os inconformados, os autônomos; são os que não aceitam serem tangidos como gado. São os que pensam, refletem e elaboram suas idéias lançando-as ao vento por onde passam. São os que primam por liberdade no sentido mais amplo, se recusam a abdicar de suas convicções e lutam para defenderem suas idéias. São os que questionam para mudar situações não aceitando as exorbitâncias tal como se apresentam. Não importam nem temem que suas idéias sejam consideradas extravagantes, inovadoras ou contestadoras demais. Não têm a preocupação do sucesso fácil ou do reconhecimento fortuito. Querem apenas discutir idéias, dividir reflexões, confrontar teses, levantar dúvidas. Querem ter o direito de sonhar, mesmo que estes sonhos estejam anos luz a sua frente.
Neste rol estão alguns escritores, inventores, descobridores e outros que, apesar de serem estudiosos, inteligentes, dinâmicos e bem informados não conseguiram descobrir nada, inventar nada nem escrever nada.
Com estes a história é implacável e madrasta. A sociedade os reconhece, os respeita mas não os premiam e acabam na velhice sem um pau para dar num rato.

Comentários

Edson Moura disse…
Altamirando, como bem disse, madrasta esta realidade. Somos ondas sim, umas grandes umas pequenas, mas ondas. Ondas estas extremamente necessaárias para que outras ondas se formem.

Assim como as ondas são são direta ou indiretamente ligadas umas às outras, nós também assim somos. Co-responsáveis pelo que o outra sente, faz, ou até mesmo não faz.


Ondas são dinâmicas, o homem é dinamico e também vive num contexto onde só existe ação.pois até mesmo sua "inação" resultará em uma ação do outro.

Então amigo, mesmo que passemos anônimos pela existência, terá valido á pena, pois nossa insignificância pode ter sido o grande referencial para o outro que não quis ser como nós.

Magnífico texto!

Abraços!
Altamirando, eu já estava sentindo falta das postagens.

Texto fabuloso!

Abraços/Enéias
Guiomar Barba disse…
Oi Altamirando,

Os tangidos como gado, também refletem, também escrevem, também raciocinam,finalmente quem não é tangido por algum vento de argumentos?

Destes tangidos, muitos contribuem em muito para o bem de muitas ondas, mas também passam pela vida como anônimos.

O fato de crer em Deus e procurar seguir os ensinamentos de Jesus, não torna ninguem menos pensante. Leu a lista de cientistas que mandei para você em comentário?

Gemidos, todos nós que nascemos e vivemos temos, a questão é saber lidar com as causas.

Beijo.
Edleuza disse…
Altamirando,

sua reflexão é um misto de profundidade e bom humor - quando eu começava a ficar séria e a refletir sobre a vida, tropeçava em uma frase descalça e sem camisa - só você mesmo!

Tenho passado por algumas situações que vêm comprovando o que já sentia há tempos: a vida é isso, é essa "coisa", essa ilusão passageira que a gente teima em dar um sentido...

Acho que estou nesse grupo dos que não têm nenhum pau pra matar um rato - hahaha. Muito bom seu texto.

Abração!
Mariani Lima disse…
Oi, Altamirando.
Como já disse antes, eu achava tudo melhor quando tinha certezas e convicções. Atualmente, com tantas incertezas e descobertas, não sei definir a vida. Mas como creio em um Deus criador, se bem que diferente da concepção de criação comum, eu acho que a vida nunca é boba e nem sem razão. Continuo achando que a vida é preciosa, mesmo quando não se é nada e quando não se aprendeu a pensar. Nesse mar imenso de ondas, as pequenas se juntam e formam grandes ondas. Gostei do texto, meu amigo!
Abraços...fique com Deus!
Edsom Moura, que bom, quando escrevemos para os outros e eles se vêem em nossos textos. Nos envaidece, obrigado.

Enéas, gosto da sua pesença e seus comentários são instigantes.É isto aí.

Guiomar Barba, gosto de sua firmesa de convicção. Quanto a sua lista de cientistas cristãos, eu comentei logo em seguida, mas você não voltou. Fique a vontade, a sala é sua.

Edleuza, que bom ver você por aqui e fico feliz ao saber que existe alguém no mesmo grupo que eu. Vamos formar um bloco. He,he..

Mariane Lima, obrigado pela presença. Neste imenso mar de ondas, as pequenas se juntam e formam grandes ondas, como nós. Mesmo à distância, sempre nos juntamos.
Abraços a todos.

4 de março de 2011 13:08
Eduardo Medeiros disse…
gostei da sua concepção que somos todos ondas mas que em essência, somos todos mar. é o princípio da unidade perdida. é o conceito de maya do hinduísmo; a ilusão de que nós não somos feito de cada átomo de qualquer estrela desse universo.

em seu livro, "maya", josten gaarder faz um personagem explicar a outro o que é maya:

"pense no momento do big bang. nós somos aquilo".

prá terminar, nem todo gado é gado totalmente; ha gados que pensam mas não tem corajem de deixar suas certezas; e por que deixariam se elas fazem sentido para eles? o gado só deixa a manada quando a pedra no sapato se torna insuportável.

* * * * *
olha, me esculhambei de rir com seu projeto de fusão do macedão com o valdomiro...
MIRANDA disse…
Muito boa postagem.
Parabéns.
CH disse…
Altamirando.

Texto fantástico. Seu constante progresso na arte de expor as próprias idéias é notório. Parabéns!

Abraços,
Fico feliz em saber que minhas idiossincrasias são coerentes com as expectativas dos amigos leitores. Elogios são instigantes.

Eduardo Medeiros, pois é, nesta fusão seriam imbatíveis.

Miranda, obrigado pela visita.

Carlos, você tem estado ausente, apareça mais e obrigado pelo elogio.

Abraço a todos.
Juci Barros disse…
Altamirando!!!!Gostei imenso do post,muito gostoso de ler.

Beijos.

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